quinta-feira, 8 de março de 2018

Simplesmente heróis

A amiga Ana Elizabeth Alves Bina publicou em sua página no Facebook uma crônica muito bonita, lembrando velhos vultos populares de São Gabriel, que se perpetuaram no tempo. E me permiro republicá-la.

Personagens típicos de São Gabriel apareceram na brincadeira. Resolvi, então, postar parte de uma crônica que escrevi e que está no livro Crônicas.

 Simplesmente heróis

(...)E, de uma forma ordenada e simples,as imagens vão desfilando. Entre elas, alguns vultos,figuras simples (...) que marcaram minha infância, minha cidade.

Quase todo dia, ela vinha com a cesta coberta por um guardanapo limpinho. Sinto ainda o cheiro do pão. Novinho. Coberto de açúcar.Mulata velha, a Dorvalina vivia bêbada.

Lembro que se escorava no muro para não cair. Seus lábios grossos dançavam de um lado para o outro, quando falava. Tudo parecia em desacordo. Coitada da Dorvalina.

Tinha também a “Brasileira” ou “Siá Mulata”. Vestido longo, chapéu tipo cangaceiro, peito cheio de medalhas.Sempre pelo meio da rua. Dava a impressão de que desfrutava plenamente sua existência.O que passava por sua cabeça? Não o soube naquela época, muito menos agora.

E o ceguinho , na porta da igreja ou da estação, a repetir o refrão: “Uma esmola.Uma esmolinha.” Seus olhos opacos, sem nenhuma réstea de sol,talvez recolhessem estrelas, enquanto à mercê da caridade pública, esmolava a vida. Certamente, teria um nome. Mas nós o conhecíamos apenas por “Ceguinho”.

A “Princesa” era uma figura interessante. Cabelos muito longos, brancos. Mais conformados com o tempo que os meus.Parecia ter saído de um castelo antigo. Elegante no andar (também andava pelo meio da rua) e na sua pobreza, ia, diariamente, na Caixa Estadual, verificar seu saldo.

Quantos dígitos? Não importa. O que importa é que seu olhar não revelava nem medos nem dramas. Apenas seu ar de princesa. Quem lhe deu a alcunha? Desconheço. O certo é que a sincronia era grande. E lá ia a “Princesa” rua abaixo, desfilando seu porte real.

Como estas, muitas outras figuras (Danielzinho, Maria Polícia...) se mesclaram ao cheiro da laranja madura, aos banhos de chuva, às mangueirinhas e boizinhos de osso... Pela mesma porta que entraram, lá vão elas.

Minhas visitas. Componentes desta paisagem tão distante e tão próxima, esses personagens viveram suas vidas, enganaram os momentos. Transformaram o mundo da necessidade em um mundo de liberdade.

Eles foram palco. Eu, plateia.Nenhum venceu gigantes, batalhas navais, índios – pelo menos na minha realidade- mas foram, de certa forma, simplesmente heróis.

A amiga Ana Elizabeth Alves Bina foi de uma enorme felicidade ao escrever tão belo artigo.

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