segunda-feira, 5 de março de 2018

São Gabriel de Azara aos dias atuais (2)

A cidade de São Gabriel tem uma das mais movimentadas e interessantes histórias do Rio Grande do Sul dividida em três fases: primeira, a da fundação espanhola. Segunda, a da fundação de Juca Santos. E a terceira que é a atual, chefiada pelo brigadeiro João de Deus Menna Barreto.

As duas primeiras fases, como acontecem em casos semelhantes estão envolvidas em tênue penumbra, que lhes dá tonalidade de lenda. Entretanto, em linhas gerais são a realidade dos acontecimentos.

Dom Félix de Azara, nascido no Aragão, em Barbunales, em 1746 era irmão do diplomata espanhol, Dom José Nicolau de Azara. Dedicando-se aos estudos de História Natural foi também militar.

Filho de influente família aragonesa estudou nas Universidades de Huesca e Barcelona, habilitando-se para as carreiras das armas e engenharia, onde conseguiu ser cadete em 1764. Como engenheiro, construiu o Forte de Mallorca, um dos pontos turísticos mais conhecidos da Espanha.

E como militar foi enviado para o Prata em 1781, como membro da comissão encarregada da execução do Tratado de Santo Ildefonso, que havia sido firmado em 1777.

Dom Félix de Azara esteve 20 anos no Prata, estudando e fazendo levantamentos científicos, inclusive de cartas da região que percorria, visitava ou explorava. Numa andança, e nesses estudos e levantamentos, gastou toda a sua fortuna pessoal, tendo falecido pobre, em Madrid, no ano de 1811.

Entrando no Rio Grande do Sul, na parte que, pelo Tratado de Santo Ildefonso deveria ser da Espanha, Dom Félix de Azara fundou nos últimos anos do século 18, entre 1795 e 1800 um povoado indígena que deveria não só marcar o limite das possessões espanholas, como servir de centro para seus estudos.

Entretanto, nesse último ano, final de 1800, teve de regressar a Madrid. O povoado, porém, ficou: São Gabriel plantado modestamente, na margem direita do rio Jaguarí.

Rejeitou, em 1815, a “Ordem de Isabel, a Católica”, em protesto contra os ideais absolutistas que, então, reinavam na Espanha. Recusou de ser Vice-Rei do México e morreu em sua terra natal.

A Deputação Provincial de Huesca concede anualmente, em sua memória, um prêmio ambiental que está entre os mais importantes da Europa. Félix de Azara é nome de praças, estátuas e avenidas em Buenos Aires, Montevidéu, Madri, Paris, Assunção e São Gabriel entre outras cidades.

A cidade de Azara, em Misiones, na Argentina, recebeu seu nome em homenagem ao seu trabalho na região. Uma crista montanhosa na lua foi denominada de “Dorsum Azara” em sua honra.

O FIM DA SÃO GABRIEL DE AZARA

O movimento de 1801, encabeçado por Borges do Canto, Manoel dos Santos Pedroso e outros, devolveu-nos a região missioneira. Fez-se sentir, também no Sul, e a São Gabriel de Azara desapareceu por completo pela dispersão de seus habitantes, deixando apenas os vestígios do cemitério, da capelinha e de uma ou outra casa enterrados no solo.

Aconteceu, porém, que em 1791, o vice-rei Conde de Rezende, o matador de Tiradentes, em Minas Gerais, havia doado a Antônio da Costa Pavão, por Carta de Sesmaria, três léguas de campo no Caiboaté.

No mesmo ano recebia também a sua Carta de Sesmaria o cidadão José Maria Corrêa Marques. Estas terras estavam localizadas no Batovi, abrangendo, ao que parece, a área desde os limites da Sesmaria do Caiboaté até Batovi.

Vasques, entretanto, em 1793, passou parte de suas terras, justamente a do Batovi, a José dos Santos Menezes – Juca Santos -, que foi um dos destruidores da São Gabriel de Azara.

Surgiu então, em 1801, a segunda fase gabrielense.

Logo após a demolição completa do povoado de Azara, Juca Santos, não querendo deixar ao desabrigo os indígenas que haviam aderido, bem como alguns espanhóis e suas famílias, resolveu fundar em suas terras, na encosta do Batoví a nova São Gabriel: a São Gabriel brasileira.

Ali arranchou todo o grupo em torno de uma capelinha que mandara construir pelos próprios habitantes, fornecendo ele o material e o mais que fosse necessário. E o povoado prosperou, com seu cemitério que ainda existe em parte no alto do menor dos cerros do Batovi.

Essa capela, com o título de ”Curada” foi criada por Alvará Real de 28 de novembro de 1815, sendo, assim, legalizada e oficializada a criação do povoado de José dos Santos Menezes, a nova São Gabriel.

Na realidade, porém, os habitantes do lugar não estavam satisfeitos com a situação do povoado, e de há muito vinham requerendo terras para os trabalhadores.

Em princípios de 1813 voltaram a carga, solicitando a Dom Diogo de Souza, a mercê, nomeando, desta vez, os terrenos em que estava estabelecido Antônio Alves Trilha, “porque o campo deste homem era grande e o dito não se apresentou na campanha passada, e portanto, requeremos a benignidade de Vossa Excelência, haja por bem de ordenar que neste lugar, nas melhores porções possíveis, segundo o estado dos terrenos, se determine a ereção da Capela de São Gabriel”.

A PRESENÇA DE MENNA BARRETO

Dom Diego mandou que fosse ouvido o coronel João de Deus Menna Barreto, que os suplicantes citavam dizendo que “impedimentos de real serviço” não permitiam que atuasse.

Essa situação foi feita, sendo enviada, com data de 7 de setembro de 1814, a Dom Diogo de Souza, que por sua vez a enviou ao juiz das Sesmarias de Rio Pardo, para demarcar a meia-légua em quadro, no lugar pedido pelos suplicantes para a capela que lhes foi concedida.

Esta ordem trazia a data de 16 de dezembro de 1813, mas deve ser de 1814, conforme o documento anterior, a não ser que haja algum outro no mesmo sentido, extraviado do processo “Autos de Demarcação”.

Foi em dezembro de 1814 que começou o “Auto de Demarcação” com o termo da justificação de corda e agulha, continuando, no mesmo dia, com o “Auto de Medição”, e concluindo, ainda no mesmo dia, com o “Termo de Declaração”, dando por liquidado o assunto, e o terreno liberado sem contestação de Antônio Alves Trilha.

Todo o trabalho de medição e posse foi acompanhado, além do juiz das Sesmarias, capitão Paulo Nunes da Silva Jardim, pelo piloto do juízo, João José da Câmara, “ajudante da corda”, Manoel Pereira do Couto, o escrivão Albino Francisco de Bem e o porteiro nomeado e juramentado José Eleutério, que por sinal assinou em cruz, por não saber ler nem escrever. Mais os representantes dos peticionários, brigadeiro João de Deus Menna Barreto e Tomé Francisco da Silveira.

Finalmente, a 2 de fevereiro de 1815, o Juiz das Sesmarias enviou seu julgamento, mandando que se desse sentença do processo aos mesmos autores para lhes servir de título. Que tomassem posse do referido terreno: condenava-se ao pagamento das custas.

Assim, na realidade o Alvará de 28 de novembro de 1815 criou a “Capela Curada de São Gabriel” na terceira povoação, mas que somente foi instalada em 1817.

Os moradores entraram em solene procissão tendo a frente os insistentes peticionários João de Deus Menna Barreto, José Pinto da Fontoura, Manoel Eusébio Valente, Simão Gonçalves, Manoel Gonçalves da Trindade e Tomé Francisco da Silva.

Infelizmente não foi guardado o dia e mês dessa simbólica transladação da Capela de São Gabriel e seus antigos moradores seguindo a imagem do patrono, retirada do pequeno templo.

Data de 1817, praticamente, a instalação da atual cidade de São Gabriel, no local em que está hoje, se pudermos tomar por base o documento que deu posse do terreno aos peticionários: 2 de fevereiro de 1815.

O fato é que a localidade, melhor escolhida, em terrenos mais amplos, com mais aguadas e maior horizonte, desenvolveu-se extraordinariamente.

UMA ÁREA HISTÓRICA

E fato curioso, ficou dentro de uma das áreas mais históricas do Rio Grande do Sul, a do Arroio da Bica, hoje reduzido quase exclusivamente a uma fonte, onde foi morto em 7 de fevereiro de 1756, o herói defensor da terra rio-grandense, Sepé Tiaraju.

Estes campos de Caiboaté pertenciam ao estancieiro Rolino Leonardo Vieira, que fez erigir no local da batalha de 10 de fevereiro de 1756, um marco comemorativo, à beira da Estrada Real para Cacequi. O território de São Gabriel, portanto, é absolutamente histórico em cada palmo de sua extensão.

As estâncias, sede das propriedades ostentam seu passado de glória onde os proprietários se apropriaram das paisagens estépicas e lhe deram destinação própria para a pecuária.

Estas propriedades evidenciam características arquitetônicas e mobiliário e objetos artísticos que imprimem o poderio outrora destes locais, mas principalmente, registram a própria história não só familiar, mas política, social e econômica.

O município conta com duas propriedades na sede, oito estâncias no distrito de Vacacaí, 17 no distrito de Batovi, 15 no distrito de Suspiro, três em Cerro do Ouro, cinco em Catuçaba, 18 no distrito de Tiarajú, e 16 no distrito de Azevedo Sodré, totalizando 84.

O reduzido número de propriedades rurais na sede do município deve-se ao fato que a fundação de São Gabriel iniciou no Batovi, posteriormente tendo a vila queimada e onde se situavam as maiores extensões de terras e a presença de estâncias.

A sede foi a terceira São Gabriel que foi elevada a cidade em 1859 e, possivelmente deveu-se ao processo de urbanização que se instalava à época o afastamento das propriedades rurais que tinham a necessidade de extensas áreas para as atividades pastoris.

Destaque também para as estâncias históricas, antigas e tradicionais de Santa Margarida do Sul (ex-distrito de São Gabriel) com 12 propriedades rurais.

A peculiaridade de se tratar de um município de cunho rural justificaria toda e qualquer proposta de preservação deste patrimônio cultural material embreado de uma cultura imaterial traduzida pelas lidas, gastronomia e lendas.

Os distritos de São Gabriel apresentam uma riqueza de construções que passaram de geração a geração e que foram palco de grandes eventos históricos e que continuam no imaginário popular através de lendas e crenças. (Continua na próxima edição. Testo e pesquisa: Nilo Dias. Publicado no jornal "O Fato", de São Gabriel-RS, edição de 7 de fevereiro de 2008)

Dom Félix de Azara foi o fundador de São Gabriel.

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