domingo, 26 de novembro de 2017

Lanceiros Negros, os verdadeiros heróis farroupilhas

Eu me criei ouvindo os maiores elogios aos rio-grandenses que participaram da chamada “Revolução Farroupilha”. Até hoje são chamados de heróis e relembrados com grandes festejos durante a
Semana Farroupilha. E será que todos esses homens foram realmente heróis? É o que vamos ver a seguir.

Desde a minha terra natal, Dom Pedrito, cidade histórica que foi palco do encerramento do maior conflito até hoje realizado em solo brasileiro, acompanhei e muitas vezes até participei desses atos de extremado amor ao Rio Grande do Sul.

Mas passados alguns anos me tornei adulto e passei a me interessar pela história, não só do nosso país, mas especialmente do nosso Estado e ultimamente por São Gabriel, onde me aquerenciei, procurando conhecer seus vultos mais interessantes e fatos notáveis.

Tenho lido muito. E na “Semana Farroupilha” deste ano, não sei explicar por quais razões, mas senti que uma força maior me levou a pensar nos negros gaúchos apelidados de “Lanceiros Negros”, mortos covardemente nos campos de “Porongos”, hoje terceiro distrito do município de Pinheiro Machado (RS).

E fui atrás de detalhes dessa história real. No começo da guerra não se pensava em usar escravos como soldados, para não tirar a mão-de-obra das fazendas, o que prejudicaria seus negócios e lucros.

Logo de cara os “Farrapos” viram que tinham um contingente pequeno em comparação com os “Imperiais”. Por isso, que em 1837 foi criado o “1° Corpo de Lanceiros Negros”, comandado por um branco, Teixeira Nunes, chamado de “Gavião”.

O 1.º Corpo foi recrutado, principalmente, entre os negros campeiros, domadores e tropeiros das charqueadas de Pelotas e dos então municípios de Piratini, Canguçu, Pedro Osório, Pinheiro Machado, Herval, Bagé, até o Pirai e parte de Arroio Grande.

O CORONEL JOAQUIM PEDRO

Tornou-se célebre o “1º Corpo de Lanceiros Negros”, organizado e instruído, inicialmente, pelo coronel Joaquim Pedro, antigo capitão do Exército Imperial, que participou da campanha contra Napoleão Bonaparte, na Guerra Peninsular.

Emigrou para o Brasil em 1816, com a “Divisão de Voluntários Reais”, participando das guerras contra José Gervásio Artigas e da “Batalha do Passo do Rosário”, na “Guerra da Cisplatina”.

Já veterano aderiu à “Revolução Farroupilha”, ficando adstrito às tropas de Antônio de Sousa Neto, de quem foi assessor político e militar. Participou da “Batalha do Seival” e foi um dos que influenciaram Neto a proclamar a “República Rio-Grandense”, junto com Lucas de Oliveira.

Foi preso em Piratini, em 1844, quando já contava 74 anos, junto com o coronel José Mariano de Mattos, em uma sortida imperial, e enviado para o Rio de Janeiro, desconhecendo-se seu destino final.

Ajudou, nesta tarefa, o major Joaquim Teixeira Nunes, veterano e com ação destacada na “Guerra Cisplatina”. Este bravo, à frente do “Corpo de Lanceiros Negros”, libertos, prestaria relevantes serviços militares à República Rio-Grandense.

Foram seus oficiais, entre outros: coronel Joaquim Pedro, coronel Joaquim Teixeira Nunes, tenente Manuel Alves da Silva Caldeira, capitão Vicente Ferrer de Almeida, capitão Marcos de Azambuja Cidade, primeiro-tenente Antônio José Coritiba, segundo-tenente Caetano Gonçalves da Silva (filho de Bento Gonçalves), segundo-tenente Ezequiel Antônio da Silva e segundo-tenente Antônio José Pereira.

OS HÁBEIS LANCEIROS NEGROS

Excelentes combatentes de cavalaria entregavam-se ao combate com grande denodo, por saberem, como verdadeiros filhos da liberdade, que esta, para si, seus irmãos de cor e libertadores, estaria em jogo em cada combate.

Manejavam com grande habilidade suas armas prediletas - as lanças. Estas, por eles usadas eram mais longas do que as comuns. Combinada esta característica, com instrução para o combate e disposição para a luta, foram usados como tropas de choque, coisa hoje reservada às formações de blindados.

Por isto inspiravam grande terror aos adversários. Também usavam armas como adaga ou facão e, em determinadas ocasiões, até armas de fogo.

Como lanceiros não usavam escudos de proteção, uma vez que os seus grosseiros ponchos de lã (bicharás), serviam para isso além de cama, cobertor e agasalho para o frio e chuva.

Quando em combate a cavalo, enrolado no braço esquerdo, o poncho servia-lhes para amortecer ou desviar um golpe de lança ou espada. No corpo a corpo desmontado, servia para aparar ou desviar um golpe de adaga ou espada.

Eram “esgrimistas” habilidosos, em decorrência da prática continuada do “jogo do talho”, nome dado pelo gaúcho à esgrima simulada com faca, adaga ou facão.

Alguns poucos eram hábeis no uso das boleadeiras como arma de guerra, principalmente para abater o inimigo longe do alcance de sua lança, quer em fuga, quer manobrando para obter melhor posição tática.

Eram rústicos e disciplinados. Faziam a guerra à base de recursos locais. Comiam se houvesse alimento e dormiam em qualquer local, tendo como teto os firmamentos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

A maioria montava a cavalo quase que em pelo, a moda “Charrua”. Vale também lembrar que os “Lanceiros Negros” exerciam uma função de tropa de choque no “Exército Farroupilha”, pelo simples fato de manejar com eximia destreza a lança que é uma arma essencial para este tipo de combate.

Seu vestuário era constituído de sandálias de couro cru, chiripá de pano grosseiro, um colete recobrindo o tronco e na cabeça uma “vincha” (braçadeira) vermelha símbolo da República.

Como esporas improvisavam uma forquilha de madeira presa ao pé com tiras de couro cru. Esta espora “Farroupilha” acomodava-se ao calcanhar e possuía a ponta bem afiada.

Alguns poucos usavam calças, cartola e chilenas (esporas). No Museu de Bolonha, na Itália, existe uma pintura que mostra bem como se vestia esse indivíduo.

O herói italiano, Giuseppe Garibaldi, guerreiro que lutou ao lado dos “Farroupilhas”, teria dito nunca ter visto um corpo militar lutar com tanta bravura como os destemidos guerreiros negros do Rio Grande do Sul.

“Eu vi corpos de tropas mais numerosos, batalhas mais disputadas; mas nunca vi, em nenhuma parte, homens mais valentes, nem cavalheiros mais brilhantes que os da bela cavalaria rio-gandense, em cujas fileiras aprendi a desprezar o perigo e combater dignamente pela causa sagrada das nações.”

PROMESSAS DE LIBERDADE

Os “Farroupilhas” prometiam dar liberdade aos escravos que batalhassem a seu favor. Ao final de 1844, já há nove anos em conflito, a Província desgastada, a guerra parecia perdida.

A chacina teria sido resultado de um traiçoeiro acordo entre um chefe dos “Farrapos”, general David Canabarro e o comandante do exército imperial, Luís Alves de Lima e Silva, depois condecorado como “Duque de Caxias”.

Essa história é pouco conhecida pela população brasileira, e vem questionar a figura de Canabarro, sempre apresentado como um dos heróis da Revolta pelos historiadores oficiais.

David José Martins, seu nome verdadeiro, o Canabarro foi adicionado mais tarde, nasceu em Taquari (RS). Descendente de açorianos, neto de José Martins Faleiros e Jacinta Rosa, naturais da Ilha Terceira.

Começou a vida de militar na primeira campanha cisplatina de 1811-1812. Para essa campanha deveria seguir o irmão mais velho, Silvério, já então com 18 anos.

Entretanto, auxiliar precioso do pai nas lides campeiras, iria fazer muita falta. E David, contando 15 anos de idade, reconhecendo o fato, solicitou ao pai licença para seguir em lugar do irmão.

Anos mais tarde foi promovido a tenente das forças de Bento Gonçalves na “Guerra da Cisplatina”, de 1825-1828, que culminou com o tratado de paz de agosto de 1828 e a independência do Uruguai.

Lá, teve papel preponderante na ”Batalha de Rincón de las Gallinas”, salvando o exército brasileiro de completo desbarato, o que lhe valeu os galões de tenente efetivo do Exército Nacional.

Na “21ª Brigada de Cavalaria Ligeira” comandada por Bento Gonçalves, ainda na “Guerra da Cisplatina”, assistiu à indecisa “Batalha do Passo do Rosário”, obrando prodígios de valor e de audácia.

Cessada a guerra, voltou ao lar, à vida do campo, mas desta vez associado ao tio Antônio Ferreira Canabarro, na estância fronteiriça de Santana do Livramento. Por volta de 1836, adotou o nome David Canabarro por insistência de seu tio.

Na “Revolução Farroupilha” ou “Guerra dos Farrapos”, inicialmente esteve indiferente. Tendo a ela se juntado tardiamente. Iniciou como tenente, galgou postos e assumiu o comando em junho de 1843, quando Bento Gonçalves, para evitar a cisão entre os republicanos, desligou-se do comando e passou a servir sob as ordens do próprio Canabarro.

A MAIS LONGA DAS GUERRAS

A Revolução Farroupilha foi a mais longa revolta republicana contra o Império escravocrata e centralizador brasileiro. Os grandes e poderosos proprietários de terras gaúchos, sentindo-se desfavorecidos pelas leis federais, principalmente pelos impostos considerados excessivos, entraram em negociações com o governo regencial.

Tais negociações, consideradas insatisfatórias, criaram um crescente estado de tensão até o rompimento definitivo e a declaração de guerra, em 20 de setembro de 1835.

Depois do combate travado em Bagé, conhecido como “a Batalha do Seival”, em que as forças imperiais foram derrotadas, surgiu um movimento político dissidente e separatista.

Com sua radicalização foi proclamada a independência e criada a República Rio-Grandense frente ao Império do Brasil, propondo uma República Federativa às demais províncias que viessem a separar-se do Império e assumissem a forma republicana.

Para lutar por “um país independente” foi necessário juntar as tropas dos generais que aderiram à causa e assim foi formado o “exército farroupilha” liderado pelo general Bento Gonçalves.

Na verdade, os verdadeiros protagonistas dessa luta foram os negros, os índios, os mestiços e os brancos pobres que lutaram de forma abnegada pela recém criada República e por espaços de liberdade, buscando um futuro melhor para si e para os seus.

Entre os generais estava um abolicionista convicto, Antônio de Souza Netto, que não só colocou a libertação dos escravos como um dos “ideais farroupilhas” como propôs a participação dos negros na luta dos farrapos.

Num primeiro momento a idéia foi rejeitada. Porém, em 4 de outubro de 1836”, depois da “Derrota de Fanfa”, em que Bento Gonçalves foi preso e o exército farroupilha teve excessivas baixas, eles não vacilaram em libertar os escravos que, em troca, se engajaram no exército farroupilha. Assim foi criada a unidade militar que ficou conhecida como “Lanceiros Negros”.

A revolta dos “Farroupilhas” seria contra a ditadura, pela justiça na pátria gaúcha. Uma luta republicana, mas que terminou com um estranho armistício assinado somente por David Canabarro, depois da derrota de “Porongos”, quando os “Lanceiros Negros” estavam desarmados e foram massacrados.

Depois de lutarem, durante 10 anos, não por dinheiro ou impostos, mas pela liberdade, no dia 14 de novembro de 1844 foram miseravelmente traídos no mais vergonhoso episódio dessa guerra, conhecido como “O Massacre de Porongos”.

Desarmados, por seu comandante Canabarro, esses homens foram traiçoeiramente entregues a sanha historicamente genocida de Caxias.

Enquanto a barbárie ocorria, Canabarro se divertia com a sua amante a algumas léguas de distância. Foi assinado o armistício, depois chamado de “Paz de Ponche Verde”, e o que restava do exército gaúcho era extinto, enquanto Neto e Bento Gonçalves iam para as suas fazendas no Uruguai.

David Canabarro nasceu a 22 de agosto de 1796 e morreu em 12 de abril de 1867 de gangrena, decorrente de um pequeno ferimento no pé contraído nas lides de sua estância de São Gregório.

Sobre Caxias, não paira nenhuma surpresa, pois sabidamente era um carniceiro. O povo paraguaio que o diga. Ele esteve no Paraguai entre 1864 e 1870, liderando o genocídio de 76% dos habitantes daquele país.

Porém, ainda persiste o mito criado pelas classes dominantes brasileiras e suas Forças Armadas de que Caxias seria "magnânimo na vitória", apesar das evidências no Paraguai e do massacre de “Porongos”.

Como explicar aos brasileiros tamanha covardia e a baixeza moral perpetradas por dois homens, David Canabarro e Duque de Caxias, ambos idolatrados como “heróis” pela historiografia oficial – um deles até considerado “patrono do Exército” – durante a chamada “Revolução Farroupilha?”

Os historiadores oficiais criaram deliberadamente imagens falsas de “Porongos” procurando não macular “seus” heróis. Entretanto, a hediondez dos acontecimentos só permite uma coisa: não a explicação, mas a revelação da verdade, baseada em documentos oficiais que ficaram escondidos por décadas e só recentemente revelados.

A TRAIÇÃO DE DAVID CANABARRO

Naquele tempo o Brasil vivia quase na dependência do capitalismo inglês. O historiador Júlio José Chiavenato, publicou livros que ficaram famosos anos atrás, sobre isso.

No dia 11, a patrulha farrapa do major Polvadeira bateu-se com a vanguarda inimiga, comandada pelo tenente Fidélis, e foi batida. Morreram seis homens.

A irmã do general Antônio de Souza Neto, proprietária de campos nas imediações, mandou avisar que vira soldados de “Moringue” nas proximidades. Canabarro destratou o mensageiro: “Moringue, sentindo a minha catinga, aqui não vem”.

Um prisioneiro dos imperiais foi libertado e voltou para as tropas farroupilhas. Os lanceiros também foram traídos, pois expostos a uma surpresa combinada com o adversário, mas, ao menos, tinham lanças e cavalos. Canabarro fugiu só de cuecas enquanto os negros eram mortos.

O argumento era o medo de que estes se rebelassem. Era bem possível que isso ocorresse, já que o povo em armas não costuma acatar decisões nebulosas da chefia, acordos clandestinos, tudo aquilo que suspeita ser entreguismo.

Se os “Lanceiros Negros” fossem mantidos vivos seria um perigo, uma tocha rebelde acesa a por em xeque as classes dominantes, fossem elas o latifúndio gaúcho ou os capitalistas da monarquia.

E tudo se confirmou. Por volta das duas horas da manhã, as tropas imperiais de Abreu, chamado de “Moringue”, entraram no lugar conhecido como “Porongos”.

O único entrave que existia para o fim da guerra não mais havia. Os negros e brancos pobres que combateram bravamente, doando seu sangue com generosidade, foram traídos e descartados.

No dia 25 de fevereiro de 1845, nos campos de “Ponche Verde” foi assinado um "tratado de paz", mais conhecido por “Tratado de Ponche Verde”, irrelevante na prática.

Caxias não estava presente, nenhum líder imperial assinou, nem o líder farroupilha Bento Gonçalves da Silva compareceu, dizendo estar com gripe.

João Antônio da Silveira, português nascido na freguesia do Estreito em 8 de setembro de 1780, foi um dos quatro que assinaram o ato de paz em Ponche Verde.

Já estava reformado como oficial, aos 55 anos, quando se engajou na revolução farroupilha. Participou de importantes ações militares e tornou-se general do exército rebelde em 1841. Elegeu-se deputado para a Assembleia Constituinte de 42.

Em 4 de outubro de 1835 liderou o ataque vitorioso a São Gabriel com 300 homens, conseguindo que boa parte do regimento de cavalaria imperial, ali estacionado, aderisse à causa republicana.

Em 1838 e 1842 esteve comandando tropas perto de Passo Fundo. Iniciou a guerra como oficial de milícias de 2ª linha, e chegou ao posto de general, comandando a 2ª Divisão do Exército Farroupilha, promovido em 3 de julho de 1841.

Ele foi o quarto e último general da “República Riograndense”. Os outros foram Bento Gonçalves da Silva, Antônio de Souza Netto e David Canabarro.

O general João Manuel de Lima e Silva (tio do Duque de Caxias) foi assassinado em 29 de agosto de 1837 em São Borja. Enquanto isso, o general, Bento Manuel Ribeiro, paulista de Sorocaba, voltava pela segunda vez a servir o império.

Foi eleito deputado para a Constituinte de Alegrete, mas não tomou posse. Foi um dos mais ativos comandantes até o final da guerra, empreendendo diversas vitórias em 1843. Com o final do conflito, voltou às atividades rurais.

Na guerra contra Rosas, foi chamado por Duque de Caxias e assumiu, sob o comando deste, a 12ª Brigada do Exército. Posteriormente, já com 70 anos de idade, comandou uma divisão do Exército Brasileiro na Guerra do Paraguai.

Morreu em São Gabriel aos 92 anos de idade, na mais completa miséria. Na frase de um "chronista" da época: “Não tinha ao morrer, um lençol para mortalha.”

O Tratado de Ponche Verde dizia que "são livres, e como tais reconhecidos, todos os cativos que serviram à revolução". Porém o próprio Bento, símbolo farrapo, depois que morreu em 1847, vítima de uma pleurisia, deixou a seus herdeiros 48 escravos, como prova o seu inventário. A lenda dizia que ele tinha acabado a vida como o “mais pobre dos homens”. É preciso dizer mais alguma coisa?

O DESCONHECIMENTO PREDOMINA

Os tradicionalistas mais fanáticos, não procuram conhecer a história. Preferem os festejos onde o churrasco, a carne gorda e a cachaça não faltam, do que saber que a coisa não foi bem assim.

Só para desanuviar a memória de alguns, basta dizer que em 10 anos de guerra civil, morreram entre 2.900 e 3.400 pessoas, uma média de 300 por ano, menos de uma por dia. Mesmo para a população da época, era mais fácil morrer de gripe.

Praticou-se de tudo: estupros, degolas, saques, apropriações de terras alheias e sequestros. Antônio Vicente da Fontoura, encarregado de negociar a anistia com o Império, denunciou os estragos da corrupção.

A chamada “Guerra dos Farrapos” esteve longe de ser um movimento de origens populares, especialmente das principais cidades como Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande.

Muito ao contrário. Constituiu-se em um conflito de facções da classe dominante. Fazendeiros gaúchos insatisfeitos com as leis federais e com a quantidade de impostos, contra o governo imperial.

Enquanto a “Balaiada”, no Maranhão, foi uma guerra dos pobres e abolicionistas, a “Revolução Farroupilha” foi conservadora, não previu a abolição da escravatura na Constituição que chegou a ser escrita, usou os negros como mão de obra militar no momento do aperto e os traiu em “Porongos”.

Em 1993, o historiador gaúcho, Mário Maestri, escreveu o livro “O Escravo Gaúcho- Resistência e Trabalho”, versando sobre a nova ótica do “Massacre de Porongos”.

Nessa obra ele apresenta a tese do acordo entre Canabarro e os imperiais. A história oficial nega terminantemente a traição. No entanto é fato conhecido no Rio Grande as dúvidas de chefes “Farroupilhas” sobre o tema. “Teriam sido traídos?”, perguntavam-se.

Isso inclusive gerou um processo contra Canabarro no Tribunal Militar dos rebeldes “Farroupilhas”. Difícil saber se nisso também esteve envolvida alguma disputa interna entre os líderes da Revolta.

O certo é que com a "paz" o trâmite continuou na Justiça Militar do Império, mas em 1866 o general Osório fez com que o processo fosse arquivado, sem ter sido concluído.

Correntes até hoje disputam as verdades da história. Uma, diz que os “Farrapos” não entregaram aos imperiais os negros que com eles lutaram sob a promessa de liberdade.

Outra garante que houve um acordo de entrega e que o Barão de Caxias libertou esses negros aqui no Rio Grande mesmo, incorporando-os ao Exército.

Os “Farrapos” receberam indenizações secretas do Império. Fontoura foi encarregado de fazer a distribuição do dinheiro no que chamou de “quatro dias do inferno”. A fome pelo dinheiro levou à apresentação de notas frias e uma disputa sem limites. Fontoura chamava Bento de infame.

Parte do “1º Corpo de Lanceiros Negros” participou da expedição a Laguna, ao comando de David Canabarro. A retirada dos “Farroupilhas” de Laguna para o Rio Grande do Sul, através de Lages e Vacaria, contou com a presença de Teixeira Nunes, Giuseppe Garibaldi, Luigi Rossetti e Anita Garibaldi e foi assegurada por muitos valorosos soldados negros.

A MAIOR LANÇA FARRAPA

A mini série “A Casa das sete mulheres”, apresentada pela Rede Globo de Televisão focalizou a malograda tentativa de em Laguna –Santa Catarina dos “Farrapos” ali estabelecerem a “República Juliana” e nela um porto de mar para eles.

O personagem principal deste episódio foi o coronel Teixeira Nunes no comando de seu célebre “Corpo de Lanceiros Negros Farrapos”, cuja existência não vinha sendo ressaltada pela historiografia.

Esse líder foi considerado a maior lança farrapa, segundo o general Tasso Fragoso. E duas de suas virtudes estão inscritas no brasão da República Rio-Grandense, “Firmeza e Doçura”, sob a forma de dois amores perfeitos e assim traduzidos:

Firmeza ao combater com toda a garra e valor visando a vitória. Doçura, depois de vencido o combate respeitar como religião do prisioneiro inerme a sua vida, honra, família e patrimônio.

Garibaldi que foi seu comandado em Laguna e na retirada para o Rio Grande do Sul, e mais tarde na Itália, lembrou o seu grande valor como um dos mais assinalados guerreiros farrapos e também como o bravo dos bravos.

O coronel Teixeira Nunes prestou distintos serviços militares à Independência e soberania do Brasil na “Guerra Cisplatina”, entre 1825-1828, como alferes de um Regimento de Cavalaria das Missões.

Participou da “Batalha do Passo do Rosário”, em 20 de fevereiro de 1827 e teve papel destacado ainda nesta guerra, contra uma incursão profunda inimiga que penetrou até rio Camaquã a partir do rio Jaguarão. Participou com destaque do “Combate de Rio Pardo”, em 1838.

Na “Revolução Farroupilha” foi um dos mais constantes, intrépidos e denodados líderes de combate. Brilhou em diversas ações, ao ponto de ser classificado por Assis Brasil "como o maior herói da Revolução" e pelo general Tasso Fragoso como "a maior lança farrapa".

Seu maior feito estratégico foi derrotar em Santa Vitória (Bom Jesus) a Divisão Paulista ou da Serra, enviada de São Paulo para lutar contra a Revolução.

Isto quando em companhia de Garibaldi, Rosseti e Anita Garibaldi, retornava da malograda expedição a Laguna, em 1839.

A Teixeira Nunes coube, em 26 de novembro de 1844, a última reação armada da “República Rio-Grandense” que custou-lhe a vida, após memorável e comovente reação junto com seus lanceiros negros na “Surpresa de Porongos”, 12 dias antes.

Teixeira Nunes foi um dos maiores lanceiros de seu tempo, e como uma ironia do destino caiu mortalmente ferido por uma lança manejada pelo braço vigoroso do alferes Manduca Rodrigues, um uruguaio que se notabilizou pela incrível habilidade com os cavalos e pelo uso de sua boleadeira em guerra.

A morte de Teixeira Nunes foi assim comunicada pelo então Barão de Caxias, em ofício: Posso assegurar a V. Exa. que o Coronel Teixeira Nunes foi batido no campo de combate, deixando o campo, por espaço de duas léguas, juncado de cadáveres. Eram seguramente cadáveres de “Lanceiros Negros”.

A trajetória dos “Lanceiros Negros” esteve a disposição do público gabrielense, de 19 a 30 de setembro de 2012, quando de exposição realizada no Museu Nossa Senhora do Rosário. (Pesquisa: Nilo Dias - Publicada no jornal "O Fato", de São Gabriel-RS, edição de 22 de outubro de 2017)




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