segunda-feira, 13 de março de 2017

Um mar de sangue no Cerro do Ouro

Ao escrever a matéria sobre a Revolução Federalista de 1893, em que o solo gaúcho se pintou de vermelho pelo sangue das degolas, propositalmente deixei de me aprofundar no “Combate do Cerro do Ouro”, desdobrado em terras gabrielenses, porque foi um episódio que merecia uma atenção histórica maior.

Conta o historiador Aristóteles Vaz de Carvalho e Silva, em seu livro “São Gabriel na história”, que em agosto de 1893, o coronel Francisco Rodrigues Portugal estava acampado com cerca de 1.200 homens no Cerro do Ouro, em São Gabriel.

Da coluna faziam parte o doutor Fernando Abbott e os coronéis Marinho e João Fernandes Barbosa, comandantes de brigadas. Eles foram avistados pela vanguarda de Gumercindo Saraiva, que imediatamente tiroteou a coluna governista.

Esta força confiava na proteção da guarnição federal de São Gabriel, composta das três armas e ainda contava com a junção, a qualquer momento, da coluna comandada pelo general Bacelar, que precedia de Paraizinho, zona de Bagé, em reforço da coluna de Portugal, já avisada da presença de Gumercindo Saraiva.

Tomadas as providências necessárias, a 27 de agosto travou-se a batalha conhecida na história por “Combate do Cerro do Ouro”, tendo sido amplamente desbaratadas as forças governistas, que retiraram-se em completa desordem para São Gabriel.

O RELATO DE GUMERCINDO SARAIVA

Ao término do combate, Gumercindo Saraiva enviou correspondência ao general Luiz Alves de Oliveira Salgado, comandante-em-chefe das forças revolucionárias relatando o ocorrido.

Disse que verificada a presença do inimigo e a posição que ocupava, calculando a sua força em cerca de 1.200 homens, houve um tiroteio durante o dia 26. As 5 horas da manhã do dia  27, Gumercindo passou o arroio do Salso, em uma picada aberta na véspera.

E às 7 ½ horas da manha encontrou o inimigo, cujas forças ocupavam o dorso da Serra de Serafim Caetano, junto ao Cerro do Ouro, estrada de São Gabriel.

As forças de Gumercindo ocuparam uma linha de colinas, bem a frente de onde se encontrava o inimigo, o que permitia que se batessem os contrafortes e grotas que partem desse cerro em direção perpendicular a essa linha, e que seriam ocupados pelo inimigo quando avançasse.

O flanco direito das forças revolucionárias estava protegido por uma profunda e invadeável canhada, que desagua no arroio Salso junto ao Passo Real, que era defendida pela coluna inimiga para impedir, como impediu, que fosse mandado auxilio e proteção.

À hora supramencionada caiu um denso nevoeiro, e Gumercindo dispôs suas forças na seguinte ordem, que permitia envolver o inimigo:

CENTRO. Brigada do coronel Aparício Saraiva, composta de duas Companhias de Infantaria, sob o comando do major Antônio Nunes Garcia; de dois Corpos de Cavalaria comandados pelos tenentes coronéis Augusto Xavier do Amaral e Júlio Varela. O Piquete de Gumercindo, comandado pelo tenente coronel Pedro Sancho e dois Corpos de Cavalaria ao mando dos coronéis Vasco Martins e Fontoura Roquinho.

DIREITA. Dois corpos e um Esquadrão de Cavalaria ao mando dos coronéis Estácio Azambuja, Carlos Chagas e Carlos Nogueira da Gama, um Corpo de Cavalaria do 2º Corpo ao mando do coronel Isidoro Dias Lopes.

ESQUERDA. As Brigadas do general Guerreiro Vitória e Torquato Antônio Severo.

Às 8 1/2 horas, dissipado o nevoeiro, a Infantaria e todos os atiradores das Brigadas e Corpos, abriram nutrido fogo sobre o inimigo, que, aproveitando-se do nevoeiro, ocupara os contrafortes e grotas descritos.

Durante meia hora, e sem resultado apreciável continuou o fogo. Dispondo apenas de 300 atiradores e de 12 mil cartuchos, sentindo que seria forçado a retirar-se acabada a munição, Gumercindo tentou, apesar das dificuldades do terreno as manobras de Cavalaria, um esforço supremo.

Fazendo cessar o fogo dos atiradores, foi ordenado uma carga simultânea de Lanceiros sobre os flancos e contra o inimigo. Com tal arrojo e valor foi ela executada que o inimigo abandonou as fortes posições que ocupava e retirou-se sobre a estrada, onde debandou, após uma segunda carga, sendo perseguido até três léguas além do campo de combate pela Brigada do coronel Aparício Saraiva e pelos Corpos dos coronéis Vasco Martins e Estácio Azambuja.

A ESTATÍSTICA DO COMBATE

Foram arrecadados no campo de combate os seguintes objetos: quatro estandartes, 221 comblains, cinco Spencer, três remingtons, um mauser, 124.250 cartuchos comblains, 140 barracas, 193 ponchos,45 espadas, 39 lanças e três carretas, das quais uma com 223 peças de roupas e viveres, sete carroças e inúmeros cargueiros e arroios, etc, etc.

Gumercindo calculou as perdas do inimigo em cerca de 300 homens, pois só no campo de combate propriamente dito, foram contados 127 cadáveres. A estrada por onde o inimigo retirou-se também estava tomada de mortos.

Foram aprisionados do inimigo um alferes e 56 praças, das quais sete feridos.

Entre os numerosos documentos arrecadados no campo de combate figurava uma ordem-do-dia do coronel Portugal, dando a organização da divisão com a qual houve o combate, e que era composta de 10 Corpos.

O 1º Corpo do Exército sofreu 45 baixas, 12 mortos e 33 feridos. Entre os mortos encontram-se os valentes tenentes coronéis Pedro Gomes Jardim e Fortunato Silva, os tenentes B. Reikest e Boaventura da Costa, bravo rio-grandense que contava apenas 17 anos de idade.

Pedro Diogo, pela elevação de seu caráter, pelo tino militar, pela bravura de que deu sempre prova em todos os combates que o Exército Libertador tem travado desde o inicio da Revolução, tinha-se imposto à estima e respeito de todo os seus camaradas.

Interpretando fielmente os sentimentos de seus comandados, Gumercindo pediu a valiosa proteção da Junta Revolucionária para a numerosa família, hoje pobre e desamparada, do heroico irmão.

Entre os feridos gravemente encontravam-se os valentes coronel Carlos Chagas, tenente coronel Júlio Varela, capitão Alberto Amaro da Silveira e tenente Carlos Noé. O ajudante de ordem de Gumercindo, major Pedro Amaral foi ferido levemente.

Ao encerramento da missiva, Gumercindo Saraiva disse que a alegria pela vitória conquistada foi rudemente contrabalanceada em seu coração, pela profunda dor que nele despertou a perda de tantos e tão bravos irmãos, amigos e adversários.

O general Oliveira Salgado concorreu de maneira efetiva para a grande vitória do Cerro do Ouro, atacando junto ao arroio do Salso o coronel Marinho, sem contudo conseguir desalojar este bravo governista que afinal caiu prisioneiro.

Secundando a perseguição orientada por Aparício Saraiva, às tropas em fuga, o general Oliveira Salgado perseguiu-as até as proximidades de São Gabriel.

De acordo com alguns historiadores, a intenção de Oliveira Salgado era atacar São Gabriel onde, na própria guarnição contava com extremados partidários de sua causa. Porém se teve o intuito, deve ter desistido em vista da aproximação das tropas do general Bacelar, já referidas, que a 28 de agosto, acamparam muito próximo da retaguarda dos revolucionários.

Além disso, já estavam alertadas as tropas dos generais Lima e Pinheiro Machado, com, cerca de 3 mil homens bem armados e municiados, cujas vanguardas se aproximavam céleres.

Em São Gabriel o alvoroço era enorme, segundo contou o major Porfirio da Cruz Metelo.

PÂNICO EM SÃO GABRIEL

Dia 27 de agosto foi domingo. A relativa calma então reinante na cidade foi bruscamente quebrada, pelos clarins marciais tocando “reunir acelerado”. É que a Divisão das forças do Governo, sob o comando do general Francisco Rodrigues Portugal, havia sido estrondosamente derrotada no Cerro do Ouro.

Pânico em toda a cidade. Cavalarianos fugidos e extraviados, entrando em grupos ou sós, com notícias alarmantes de morte de diversos chefes, tanto militares como civis. Famílias que passeavam, aproveitando a féria domingueira, em tropel se recolhiam alvoraçadas a seus lares. Confusão! Correria de civis às trincheiras.

Conforme Porfirio, a parte oficial desse combate deve existir no arquivo da Presidência do Estado, ditadas pelos generais de linha Antônio Joaquim Bacelar e, honorário, Francisco Rodrigues Portugal, coronel honorário da Guarda Nacional, Hermenegildo Laureano da Silva e consultor técnico, doutor Fernando Abbott.

O fazendeiro Leônidas de Assis Brasil escreveu um relato do que foi esse combate.

A Revolução de 93 teve como seu chefe o eminente homem público Gaspar Silveira Martins, cujas ideias parlamentaristas foram seguidas pelo caudilho Gumercindo Saraiva, homem de valor pessoal, convicção política e experimentado cabo de guerra.

Em prosseguimento ao grande movimento revolucionário contra o então presidente do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, homem regionalista por existência, embora patriota e de raras convicções políticas. Esse regionalismo e outros motivos, foram causas que o separaram de Assis Brasil, cunhados e amigos.

Em julho de 1893, aos auspícios de Castilhos, Pinheiro Machado, Fernando Abbott e vários caudilhos castilhistas, os então “republicanos”, embora também o fossem os “maragatos” dessa época, mantinham organizada em São Gabriel uma divisão de Corpos de Infantaria e Cavalaria, embora com armamentos deficientes, em contraste com o ardor da causa que defendiam.

Por outro lado, os revolucionários, que propugnavam com alguma divergência e eram contra Castilhos, já estavam em campo e prontos, em defesa de suas idéias e consequentemente apresentava-se em estado latente a famosa guerra de 93, entre irmãos, onde se viram medir os valores dos gaúchos rio-grandenses, cujos símbolos eram os lenços brancos e os colorados, divisas que até hoje caracterizam partidos adversos.

Exaltados os ânimos pelas idéias opostas, nada seria possível senão a degenerescência em tremenda guerra, cujas armas, de parte a parte, comblains, garruchas, mosquetes e artilharia, guardadas por fortes esquadrões de lanceiros em seus cavalos crioulos, que bem compreendiam o horror da guerra, muito embora os objetivos fossem os mais sublimes.

Em agosto de 1893, numa madrugada de densa neblina, feriu-se o célebre “Combate do Cerro do Ouro”, cujo nome se originou por ter sido ferido no arroio do Salso, que é marginado por um mato baixo, grotas e cerritos.

As forças do Governo, os “patriotas”, de lenços brancos, se constituíam da 1ª e 2ª Brigadas, comandadas respectivamente pelo general Rodrigues Portugal e coronel Hermenegildo Laureano da Silva, ambos veteranos da guerra de 1851, Campanha de Rosas, ditador, e do Paraguai, de onde trouxeram suas condecorações, que são vistas em suas fotografias.

Borges “Mentira”, Juca Antunes, João Rodrigues Menna Barreto, intendente Dioclécio, morto em combate, Acácio Farias e outros, faziam parte daquelas forças.

Ao escurecer, na véspera da renhida luta, Fernando Abbott, amigo e companheiro de Hermenegildo, foi a barraca deste, dizendo de seus propósitos, bem como de Portugal e outros correligionários, de darem combate a Gumercindo que ocupara a outra margem do arroio do Salso.

AS FORÇAS MARAGATAS

Hermenegildo, homem que vinha de muitas refregas, tentou convencer Abbott da ineficiência de suas forças para combater uma mais antiga organização, as forças “maragatas”, de maior contingente, melhor montada e ainda com outras vantagens, inclusive estar com a iniciativa das ações.

Se bem que em ar de caçoada, Fernando Abbott teria dito a Hermenegildo: “Estás, por acaso, com medo?” Hermenegildo, em resposta a Abbot, teria dito: “Para demonstrar o contrário, concordaria com a proposição de Abbott, e consentiria em atacar Gumercindo”.

Ficou assentado que Hermenegildo com sua Brigada, a segunda, guardaria o “passo” de baixo, posição de fácil acesso a Gumercindo, onde as forças deste ao clarear do dia tentaram afastar com forte fuzilaria, a retaguarda da 2ª Brigada. Encontrando ele, porem, tenaz resistência, subiram em direção ao outro “passo”, guardado pela 1º Brigada a mando do general Rodrigues Bacelar.

Cessado o ataque a 2ª Brigada e como nada mais fosse sentido ou ouvido, Hermenegildo chamou seu ajudante de ordens, Manoel Martins Alves, vulgo “Manoel Plácido”, natural de São Pedro e, apontando para o “cerrito” que até hoje se vislumbra naquela zona, disse-lhe: “Plácido,  suba aquele cerro e veja o que se passa”.

Voltando Plácido, informou ao seu comandante Hermenegildo, já terem os maragatos transposto o arroio, no “passo” onde antes ocupara a a 1ª Brigada e que o inimigo já estava tentando cortar a retaguarda, com o objetivo de obstar a retirada de Hermenegildo.

Este, com a experiência e calma que lhe era peculiar, organizou a retirada, contendo as unidades com o auxilio do bravo João Rodrigues Menna Barreto que comandava a Cavalaria.

Desse trágico momento até ao escurecer, recuou a Brigada de Hermenegildo, fazendo custosa retirada e ao longe presenciou com seus comandados a carnificina que a gente de Gumercindo fazia nos debandados da 1ª Brigada.

Já bem a tarde começou a entrada dos feridos em São Gabriel, os que escaparam da perseguição tenaz do inimigo. E só não tomaram São Gabriel, foi porque estava guardada por forças do Exército com Cavalaria, Infantaria e o 1º Regimento de Artilharia de Campanha, o famoso “Boi de Botas”.

No dia seguinte, já serenados os espíritos, forças da Guarnição e “patriotas” foram recolher os mortos e feridos, em viaturas daqueles tempos.

E assim terminou um dos mais renhidos combates da cruenta Revolução de 93, conhecido na história sul-rio-grandense como o ”Combate do Cerro do Ouro”.

A OPINIÃO DO HISTORIADOR

Segundo o historiador Osório Santana Figueiredo, São Gabriel foi palco de encontros sangrentos e houve muitos casos de sevicias e degolamentos de pessoas importantes. Trocou de governos algumas vezes, quando então eram ajustadas as contas e muitos pagaram com a vida por certas atitudes de liberdade em prol dos seus grupos.

O Combate do Cerro do Ouro é lembrado até hoje por um monumento erguido em uma colina próxima, homenageando os que ali tombaram.

O monumento é um obelisco de cimento armado, onde na parte de baixo existem 12 postes interligados por grossas correntes de ferro, protegendo um quadrado onde estão sepultados os combatentes mortos. Tem uma cruz ao centro onde se lê: “Em memória das vítimas que o destino da Pátria fez inimigos e a morte os tornou irmãos nesta cova de bravos”.

O historiador diz: “Caro Nilo Dias. Passei vários anos pesquisando em arquivos e no local do “Combate do Cerro do Ouro” onde deixamos dois monumentos. Um de forma piramidal e outro cobrindo a "Cova dos Mortos", onde foram sepultados mais de uma centena de vítimas.

É impossível dizer o número dos que tombaram no combate, porque daquele local até próximo a cidade, os maragatos em feroz perseguição, vieram matando pica-paus e sepultados onde eram encontrados. E foram muitos.

O número de mortos no livro “A História de São Gabriel”, é erro do autor. Aconselho o amigo ler o livro "As Revoluções da República" do mesmo autor, onde aparece uma foto do "Apertado", um corte num cerro onde passa até hoje a estrada para o arroio do Salso.

Segundo ouvi de muitos, pois nasci bem perto da local daquela carnificina, anos depois foram encontrados esqueletos embaixo de  árvores. Eram de criaturas que, apavorados, feridos, ali se escondendo, morreram sem ser encontrados.

Nada foi registrado e as partes escritas sobre aquela carnificina, em que se digladiaram maragatos (revolucionários) e pica-paus (governistas), nada dizem. Estes foram derrotados fragorosamente, perseguidos e mortos até pertinho da cidade, sendo encontrados alguns cadáveres em chácaras, no Bomfim, de hoje.

Tudo que escrevemos, ninguém mais o fez, foi recolhido da tradição oral. Vivemos por mais de ano pesquisando in loco no Cerro do Ouro, por vezes acampados, pesquisando e ouvindo contemporâneos daquela tragédia, inclusive pica-paus e maragatos combatentes.

Um governista, velho, recolhido ao Asilo São João, disse-me que eram três Batalhões castilhistas de 600 homens. No outro dia ao do combate, reunidos no quartel dos Fuzilados, só puderam contar um só.

Por isso escrevi, na página 118, da obra citada: "Calcula-se em mais de 400 mortos." O doutor Ângelo Dourado, por vezes exagera nas suas cartas maravilhosas que escrevia à esposa, depois transformadas em livro - "Voluntários do Martírio". E Wenceslau Escobar, pior ainda. Há muita, muita, muita coisa sobre o Combate do Cerro do Ouro. Por hoje é só. Abraço. Osorio

Nas linhas governistas, lamentava-se a morte do coronel João Fernandes Barbosa, tio do doutor Fernando Abbott, e a prisão do coronel Marinho, feita pelas tropas do general Salgado.

No dia seguinte foi dada sepultura aos mortos, o que durou três dias. Corpos eram arrastados ou puxados a cavalo, a maior parte mutilados. Já em decomposição, eram enterrados onde se encontravam, e estavam em toda a parte.

TESTEMUNHA OCULAR DO COMBATE

O doutor Ângelo Dourado, médico baiano, radicadio em Bagé e que esteve ao lado dos revolucionários gaúchos, testemunha ocular do sangrento combate, assim o narrou em certo trecho de seu livro “Voluntários do Martírio”:

Ouviam-se de todos os pontos ocupados por nossas forças, os clarins a tocarem sem cessar as notas lúgubres, que ordenam cargas e carnificina. Os nossos lanceiros subiam e desciam dos cerros como fantasmas que voam sobre os rochedos.

As bandeirolas brancas das lanças pareciam asas de aves de rapina que se se precipitam sobre a presa. Era um baixar e erguer-se sem cessar. Em pouco tempo aquelas bandeirolas tomaram a cor do sangue em que se molhavam.

Gritos, lamentos, súplicas, promessas, gemidos, estertores, imprecações, insultos, formavam a harmonia desse cataclismo que se chama guerra civil, onde um mata para libertar-se, e morrendo quase que sorri, e outros matam ou morrem por obediência, para que os que mandaram matar, possam gozar.

Depois os grupos se afastaram ou corriam para poderem viver e outros voaram após para matar. O meu caminho era indicado pelos cadáveres e feridos. Por onde passávamos, via-se o triste rastro de um exército em derrota. Um fato doloroso desta guerra, onde os pequenos se matam pelo gozo dos grandes.

Durante o período em que esteve ao lado dos federalistas, Dourado efetuou registros do que via e vivia nos campos de batalha. E assim, em carta dirigida à sua esposa Francisca, e datada de 23 de julho de 1893, começava o primeiro de um longo conjunto de relatos de suas experiências na Revolução Federalista.

Tais relatos, escritos primeiramente como cartas e logo após como uma espécie de diário, foram organizados pelo próprio Dourado sob a forma de livro. O livro recebeu o nome de “Voluntários do Martírio – Factos da Guerra Civil”.

Finda a guerra, a obra foi publicada pela “Livraria Americana”, da cidade de Pelotas, no ano de 1896. Na verdade, “Voluntários do Martírio” constitui-se num livro de “memórias”, pois a intenção do autor era que suas impressões diante de tantas agruras não caíssem no esquecimento.

O próprio Dourado assume que não pretendeu escrever a história da Revolução de 1893, pois ele achava isso prematuro demais, uma vez que “a tinta em que deve-se mergulhar a pena de fogo para escrevê-la deve ser de justiça, e para isso é preciso tempo”.

A obra nos fornece uma descrição detalhada do conflito. Espectador perspicaz do desenrolar das batalhas, Dourado narra com fluência e objetividade a marcha da Revolução Federalista

A obra do médico baiano foi bastante utilizada e recomendada por  aqueles que escreveram a história do Rio Grande do Sul, de modo geral, e da “Revolução Federalista”, de modo específico, desde Guilhermino César, Dante de Laytano e Sérgio da Costa Franco, de um lado, e Joseph Love, John Chasteen, Sandra Pesavento, Moacyr Flores, Helga Piccolo e Núncia Constantino, entre outros.

Outras obras descrevem a Revolução Federalista, como “Apontamentos para a história da revolução rio-grandense de 1893”, de Wenceslau Escobar (1857-1938), publicada originalmente em 1919 e reeditada em1983 pela editora da UnB.

“Diário da Revolução Federalista”, de Luiz de Senna Guasina publicado em 1999 pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. “A verdade sobre a revolução”, de Germano Hasslocher. “Memórias da revolução de1893”, de Fabrício Batista de Oliveira Pilar. “A guerra civil de 1893”, de Sérgio da Costa Franco. “O regionalismo gaúcho e as origens da revolução de 1930”, do americano Joseph L. Love. “A Revolução Federalista”, de Sandra Jatahy Pesavento e “Heróis a cavalo, vida e época dos últimos caudilhos gaúchos”, do historiador norte-americano John Charles Chasteen. (Pesquisa: Nilo Dias - Publicada no jornal "O Fato", de São Gabriel (RS), edição de 10 de março de 2017)

Monumento ao Combate do Cerro do Ouro.

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