quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Caiboaté, batalha ou carnificina?


São Gabriel pode-se orgulhar de ser berço de vultos ilustres da história gaúcha e brasileira. Mas é uma pena que essa história do município, tão rica, não faça parte do currículo de nossas escolas, pelo menos às municipais. Mas sei que em boa hora vários professores, por conta própria, valorizam em salas de aula esses personagens.

A diretora de “O Fato”, a amiga Ana Rita Chiappetta Focaccia, me disse que as matérias históricas e culturais publicadas em seu apreciado jornal, muitas vezes são aproveitadas em aulas nas escolas de nossa cidade, o que me anima a continuar contando fatos sobre nossa gente e nossa terra.

Entre esses personagens, destaca-se Ptolomeu de Assis Brasil, que nasceu em São Gabriel no dia 26 de março de 1876. Era filho do estancieiro Francisco de Assis Brasil e de Josefina de Assis Brasil. E irmão de Joaquim Francisco de Assis Brasil, que se consagrou como um dos mais importantes líderes políticos gaúchos de todos os tempos.

Ptolomeu ingressou na carreira militar. Reformou-se como general de Brigada em janeiro de 1928. Foi interventor federal em Santa Catarina. Exerceu a função até outubro de 1932 quando foi substituído por Rui Zubarán, também filho de São Gabriel.

Casou-se duas vezes: primeiro, com Arlinda Porto de Castilhos, com quem teve quatro filhos e, depois de enviuvar desta, com Dalmira Vieira, com quem teve um filho. Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 23 de agosto de 1935.

Publicou os livros “Papel da cavalaria em campanha“ (1908) e “Batalha de Caiboaté” (1935). Seus pais, ao lhe colocarem o nome de Ptolomeu, talvez nem imaginassem que o filho seguiria de alguma forma os passos do importante cientista grego do século II.

Se não enveredou por todos esses caminhos, o nosso Ptolomeu foi bacharel em Matemática e Ciências Físicas e um engenheiro brilhante, que munido de uma trena, mediu trechos a pé, confrontou informações obtidas no diário do comandante português, tudo para ser o mais fidedigno possível e realizar a obra “Batalha de Caiboaté”, mostrando a grandeza do índio José Tiaraju, o “Sepé”.

PRESENÇA INDÍGENA EM SÃO GABRIEL

Desde 2004, no mês de fevereiro, os índios Guarani marcam presença em São Gabriel para homenagear Sepé Tiaraju, símbolo da luta por uma terra sem males. Recordam um guerreiro Guarani que lutou até as últimas consequências em defesa de seu povo e pelo direito de viver em paz em seu território.

Sepé enfrentou no seu tempo os dois grandes impérios da época, Espanha e Portugal, os quais tinham interesses econômicos e políticos sobre os seus territórios.

Sepé não lutou sozinho, junto a ele encontravam-se milhares de Guaranis e indígenas que não aceitaram deixar sua terra, seu território em troca de interesses políticos, econômicos, religiosos das grandes potências da época.

RESUMO DO LIVRO “BATALHA DE CAIBOATÉ

Passo agora a contar alguns detalhes da história dessa batalha, acontecida em solo gabrielense, fazendo um resumo do livro de Ptolomeu de Assis Brasil, que pode ser adquirido na Livraria do Senado, por apenas R$ 10.00. Os interessados podem acionar o endereço a seguir para obter maiores informações: http://livraria.senado.leg.br/edicoes-do-senado-federal/batalha-de-caiboate-episodio-culminante-da-guerra-das-missoes.html. 

Ptolomeu desde a infância mostrava interesse pelos acontecimentos históricos de São Gabriel, sua terra natal. E bem próximo de onde foi criado e viveu grande parte de sua vida, existe uma coxilha denominada Caiboaté, onde se travou a sangrenta batalha em fevereiro de 1756.

Isso motivou Ptolomeu a um dia buscar as causas de tão triste evento. E isso se deu, após deixar o Exército. Procurou reconstituir o sangrento episódio, procurando limitar o quanto possível, o local em que tombou sem vida Sepé Tiaraju. Para tal, muniu-se de documentos da época e empreendeu pacientes estudos históricos e topográficos.

Com a assinatura, pelos governos espanhol e português, do Tratado de Madrid que passava o território ocupado pelas missões jesuíticas para o domínio português e a Colônia do Sacramento para o espanhol, os índios guaranis se rebelaram e passaram a atacar os encarregados da demarcação da nova linha fronteiriça.

O conflito teve suas causas quando os exércitos português e espanhol uniram-se para enfrentar os índios que utilizavam a tática de guerrilha para retardar o avanço das tropas.

Num destes ataques, segundo o general Ptolomeu Assis Brasil, às margens da Sanga da Bica, hoje, centro da cidade de São Gabriel, foi morto o Corregedor de São Miguel Arcanjo, o cacique José Tiarajú, o “Sepé”, no dia 7 de fevereiro de 1756, na famosa “Batalha de Caiboaté”

O episódio aconteceu na localidade de Caiboaté Grande, distrito de Tiarajú. Os índios guaranis habitantes dos Sete Povos, comandados pelo cacique Nicolau Nenguiru, enfrentaram as forças luso-espanholas na Coxilha do Caiboaté, no dia 10 de fevereiro de 1756 e foram dizimados.

No local, situado a 20 km da cidade, existe um monumento de forma piramidal, construído de pedras. Existe também uma cruz de cimento que substituiu a cruz original de madeira ali colocada no dia 7 de março de 1756 pelo padre Miguel Mayrá quando veio sepultar os mortos.

A MARCHA DOS EXÉRCITOS EUROPEUS

Ptolomeu de Assis Brasil fez um resumo de como e por onde foi feita a marcha dos Exércitos europeus, de Santa Tecla para o Norte.

A 23 de janeiro de 1756 pernoitaram os Exércitos em Santa Tecla. Avançaram dia 24 pouco mais de duas léguas, pela Coxilha Geral, pousando nas Pontas de Camaquã, ao Norte do atual Rodeio Colorado, onde estacionaram no dia 25.

A 26, confrontaram o arroio Ibirá-Mirim, proximidades da hoje Coxilha de São Sebastião. Marchando a 27, rumo Norte-Noroeste, ao cabo de légua e meia acamparam no campo que chamavam das Palmas. Daí a duas léguas e três quartos transpuseram as pontas do Taquarembó, a 28 e ali acamparam.

Depois avançaram para o campo de Ybaassó (Ybaaro), andando uma légua e três quartos. Este acampamento ficava à vista de Santo Antônio, o novo, em uma colina elevada a Oeste da Coxilha Grande, entre as cabeceiras dos arroios Taquarembó e Jaguari, ambos afluentes do rio Santa Maria no Ibaré-Grande (Ibicui do Tratado de Madrid), num sítio que os de São Miguel chamavam Santo Agostinho, cerca de uma légua ao Sudoeste da atual Estação Ibaré.

Nessa posição pode José Tiaraju observar demoradamente os Exércitos inimigos, de um ponto adrede escolhido. Verificou seu numeroso efetivo, viu que os 1.400 índios até então mobilizados para a guerra, não bastavam para arriscar combate a fundo que lhe permitisse decidir campanha com probabilidades de êxito.

Providenciou em consequência para virem novos reforços dos povos, enquanto para ganhar tempo, junto aos 100 índios do reconhecimento com que se adiantara, procuraria em retirada, como já vinha praticando, acometer em emboscadas bem calculadas os elementos dispersos e os pequenos efetivos destacados do grosso do inimigo para forragear, em diversos outros misteres. Com incessante mutuquear contava exaurir os inimigos.

O DECISIVO ESFORÇO DE SEPÉ

O plano de Tiaraju, evidentemente promissor, era impedir a travessia da Serra Geral, onde pretendia com todos os seus, empregar o decisivo esforço e onde a natureza lhe daria mão poderosa para conter os passos aos generais e seus Exércitos, certamente por ele tidos como precursores do seu exilio.

A tardinha o general castelhano mandou o governador Viana com 200 homens, em reconhecimento à aldeia de Santo Antônio, o novo, visível do acampamento e dele distante uma légua aproximadamente. Os habitantes haviam fugido na noite anterior, devastando a povoação e deixando frutas, aves e porcos.

Um dos poucos índios encontrados, interrogado, reiterou o propósito em que todos se achavam de repelir materialmente a usurpação de suas terras. Nesse dia Viana, acompanhado de uma pequena patrulha e vaqueanos, avistou-se com sete índios que, aconselhados a mudarem de intenção, responderam “que só conheciam a sua liberdade, recebida de Deus, e as terras que se encontravam dependentes do povo de São Miguel, as quais somente Deus, mais ninguém, as poderia tirar-lhes”.

Em consequência não passariam adiante os espanhóis. Insistindo Viana em que prestassem obediência ao general para evitar os horrores da guerra, disseram despedindo-se: “No caminho nos encontraremos”.

Daquele ponto os Exércitos seguiram em frente. Até que no dia 6 de fevereiro, gastaram cinco horas para atravessar o rio Vacacai nas suas escabrosas vertentes.

No dia 7 acamparam ao meio-dia a três léguas do último posto, junto à margem direita do rio Vacacai. Antes de atingirem o pouso desse dia, uma légua antes do rio, encontraram quatro ranchos de palha, um dos quais servia de capela e tinha paredes de pau-a-pique revestidas de couro, pintado por dentro com uma tênue mão de cal.

A vida errante dos índios nos campos, onde viviam correndo gado alçado, e os precários meios de transporte que possuíam, não lhes permitia conduzir material de apartadas distâncias.

Pois bem, as caieiras que existiam nessa zona, ficavam à margem do Rio das Canas, afluente do Vacacai que desagua poucos quilômetros abaixo do sítio em que acamparam os expedicionários nesse memorável dia 7.

Tal situação, nas proximidades do Passo do Pinto, ficava a 4 ou 5 quilômetros acima da cidade de São Gabriel, campos pertencentes à Estância do Trilha, que se tornou depois histórica.

Ela antigamente pertencia a José Alves Trilha, genro de Antônio da Costa Pavão, primeiro concessionário e sogro do Barão de Saicã, brigadeiro José Maria da Gama Lobo D’Eça, que foi casado com Maria Alves Trilha. Deste casal era genro o Conde de Porto Alegre.

Os Exércitos percorreram desde o Passo do Jaguari até ao acampamento junto à margem direita do Vacacai, seis léguas. Sabe-se que o arroio Jaguari foi transposto no trecho do seu curso entre as atuais Estações de Ibaré e Suspiro, mais para o lado desta, prosseguindo pelas alvas das colinas em que está situada a Estância Tarumã, outrora pertencente a Bento José Martins, ancestral do coronel Bento Martins de Menezes, o Barão de Ijui.

A conclusão lógica e de que o rio Vacacai tenha sido transposto uma légua abaixo do Passo do Ivo dos nossos dias e depois, quatro léguas abaixo, medidas pela corda do arco que faz o seu percurso, a jusante do Passo do Pinto, com término do qual havia uma charqueada e uma parada da Viação Férrea, a SO de São Gabriel.

Logo que os Exércitos se aproximaram da margem direita do rio Vacacai, onde acamparam, no dia 7, avistaram muitos animais disseminados e alguns índios nos locais mais elevados.

A tarde o número de índios já era grande. Soldados avançaram o sinal e foram carnear algumas das reses que os índios deixaram como engodo. E foram atacados e mortos por cerca de 200 índios, que depois fugiram em seus cavalos. Sem perda de tempo Viana, governador de Montevidéu, comandante das tropas de vanguarda, reuniu os esquadrões espanhóis e portugueses, avançando ao encontro dos Guaranis, alcançando-os cerca de uma légua adiante.

E acometeu-os impiedosamente e com tal firmeza que sob o fogo das primeiras descargas, fugiram desabaladamente, deixando no campo do violento encontro sete mortos, inclusive o seu grande e valoroso capitão “Sepé”.

A MORTE DE SEPÉ TIARAJU

Ali estava Sepé Tiaraju, o chefe dos sublevados chamando a si a atenção pela arrogância do porte e dos gestos. Um cavaleiro português o derrubou juntamente com o cavalo, ferindo-o com a lança, não sem receber também uma ferida.

Segundo uma versão, que parece plausível, quando Tiaraju era perseguido de perto, à disparada, o seu cavalo rodando num buraco de tatu, ou guarachaim, magoou-o de tal modo que não pode se levantar a tempo de evitar fosse lançado por um dragão português, e, em seguida morto com um tiro de pistola, quase tiro de misericórdia, dado pelo próprio governador de Montevidéu.

Acudiram logo outros índios, que Viana fez frente até a chegada de reforços. Com a chegada da noite o conflito teve uma trégua. Os índios contabilizavam 8 mortos e os militares dois mortos e dois feridos.

Do ponto de vista militar, tratou-se mais de um massacre que de uma batalha propriamente dita. As tropas coligadas de Portugal e Espanha, que reuniam 4.000 homens, haviam massacrado cerca de 1.500 índios das missões jesuíticas.

A carnificina foi tanta que, em pouco mais de uma hora, quase todos os nativos estavam estirados no campo, empapados pelo lodo formado pelo sangue e pela gosma da bosta dos cavalos. Os dois lados haviam participado da batalha de Caiboaté.

Algumas centenas de índios conseguiram fugir, mas 154 ficaram presos. O exército aliado sofreu apenas 4 mortos, três espanhóis e um português.

Os guaranis antes de fugir de seus povos os incendiaram. E o pior que nunca se concretizou a troca, e em 1761 Carlos III anulou o tratado de Lisboa.

As Missões foram arruinadas, com cerca de 10 mil mortos e os jesuítas acusados de instigadores da resistência foram expulsos de Portugal em 1758 e de Espanha em 1767.

Os Bourbons foram mais longe e pediram e conseguiram a dissolução da Companhia de Jesus através do Papa Clemente XIV EM 1773.

A CHÁCARA JUCA TIGRE

A segunda esposa de Ptolomeu de Assis Brasil, era filha do proprietário da chácara no prolongamento da rua Tristão Pinto, o coronel José Serafim de Castilhos, o celebrado “Juca Tigre” que lutou na Revolução de 1893 contra Júlio de Castilhos. Foi ele quem mandou construir a residência da família Assis Brasil.

O local também foi a residência do doutor Dácio Assis Brasil, filho do general Ptolomeu Assis Brasil, casado com Lina Assis Brasil, filha do doutor Joaquim Francisco de Assis Brasil.

O doutor Dácio foi um dos fundadores da Cooperativa Rural Gabrielense Ltda., da Cooperativa de Lã Tejupá Ltda e presidente da Farsul e um dos principais idealizadores do Frigorífico Santa Brígida.

Ptolomeu de Assis Brasil nasceu em São Gabriel, no dia 26 março de 1878 e faleceu no Rio de Janeiro, em 2 de agosto de 1935. Era filho do estancieiro Francisco de Assis Brasil e de Josefina de Assis Brasil e irmão de Joaquim Francisco de Assis Brasil.

Foi casado com Arlinda Porto de Castilhos e Dalmira Vieira. Pai de Avelino de Assis Brasil, Darwin de Assis Brasil, Dácio de Assis Brasil, Antônio José de Assis Brasil e Arlinda de Assis Brasil.

Ptolomeu de Assis Brasil é hoje nome de rua em Mafra (SC), Curitibanos (SC), Rosário do Sul (RS) e na Vila Santa Brígida, em São Gabriel. Foi ele que mandou construir o “Castelinho” existente na “Estância do Panorama”, no “Corredor do Aníbal”, na localidade de Cerro do Ouro. (Pesquisa: Nilo Dias - Matéria publicada no jornal "O Fato", de São Gabriel-RS)

Ptolomeu de Assis Brasil, autor do livro "A Batalha de Caiboaté". (Foto: Álbum da Família Assis Brasil)

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